Gosto de poesia
porque ela depura o olhar. Os poetas deveriam oferecer consulta para miopia da
alma. É a pior que existe. Não perceber poeticamente o mundo é estar atolado
nele, sufocado pelo peso imenso de uma realidade extremamente exigente e
opressora. Quem fala isso é o Mário Quintana: Quem faz um poema abre uma janela./ Respira,
tu que estás numa cela abafada,/ esse ar que entra por ela./ Por isso é que os
poemas têm ritmo/- para que possas profundamente respirar./ Quem faz um poema
salva um afogado. A linguagem poética liberta a palavra de seu
uso corriqueiro de suas heranças discursivas, abre janelas, possibilidades de
novas percepções do mundo, potencializando a capacidade de administrar e
transformar os sentimentos, a vida.
Você deve estar pensando que esse
assunto nada tem a ver com Teologia ou bíblia. Preocupante engano, queridíssimo
leitor. A linguagem poética está presente em toda a Bíblia. A poesia aparece
nas narrativas, nos salmos, nos livros sapienciais (Cantares, Eclesiastes, Jó),
e nos livros proféticos. No Novo Testamento, está presente principalmente nas
palavras de Jesus, o poeta camponês. Esses escritores do Antigo Testamento e
Jesus tinham plena consciência de que a revolução do espírito humano deveria
passar pela revolução da palavra. Por isso, tornaram-se precursores e mestres
da linguagem metafórica, comparativa, poética. Compreendiam o peso da opressão
em seu mundo e abriam janelas para o povo respirar.
Um exemplo muito claro disso é a
belíssima maneira como Jesus ressignificou o conceito “reino de Deus” ou “reino
dos céus”. A herança discursiva dessa expressão era poderosíssima em sua época,
pois traduzia longas expectativas político-militares de dominação. Para
libertá-la de seu significado cristalizado e transformar seus ouvintes, Jesus
improvisou alguns poemas-parábolas: “A que é semelhante o reino de Deus, e a
que o compararei? É semelhante a um grão de mostarda que um homem plantou na
sua horta; e cresceu e fez-se árvore; e as aves do céu aninharam-se nos seus
ramos (Lc 13,18-19).”
Por que Jesus não foi direto ao
ponto? Por que não apresentou claramente seu conceito de reino de Deus? Porque
pretendia conduzir o homem à percepção cristalina da presença libertadora de
Deus na vida. Por isso, suas palavras e vida produziam o olhar da transparência.
Além de abrir os olhos de seus ouvintes, Jesus queria com sua poesia
enternecer, comover, tocar o ponto mais profundo da motivação humana. Que bela
imagem a do reino de Deus como semente e árvore, onde os passarinhos podem se
abrigar! Que alegria, que profunda motivação a parábola deve ter evocado no
coração dos contemporâneos de Jesus, habituados e oprimidos pela visão de um
Deus punitivo e discriminador!
Se a linguagem e a perspectiva
crítica da poesia são tão presentes e importantes na bíblia, por que o discurso
religioso na Igreja Presbiteriana do Brasil está tão distante dela? Por que
esse apreço pela repetição eterna das mesmas formas doutrinárias? A resposta
não é simples, mas vamos nos arriscar a sugerir uma pequena parte dela. O
discurso teológico de nossa amada IPB – e da maioria das instituições
religiosas cristãs - repete insistentemente as mesmas formas doutrinárias,
porque estas sustentam uma estrutura institucional e seus espaços de poder. É
exatamente por isso que a teologia passou da linguagem literária (bíblica) para
a dissertativa ou descritiva.
As instituições naturalmente criam
suas estratégias de manutenção e é natural e necessário que o façam. Mas quando
elas silenciam as vozes poéticas, discordantes, provocadoras impedem a
manutenção saudável e a transformação sadia de suas estruturas. Por que sempre
os mesmos palestrantes em nossos congressos nacionais? Por que os mesmos
articulistas em nosso site e jornal? Por que sempre a mesma forma discursiva e
os mesmos pontos de vista? Por que as mesmas posições sobre o trabalho feminino
nos órgãos oficiais? Onde estão as vozes proféticas de nossa igreja? Se elas
são silenciadas sutilmente, é porque deixamos de ser essencialmente uma igreja
Protestante.